Não há uma receita para falar com os nossos filhotes e a mesma solução não resolve as conversas todas... temos que nos saber adaptar a cada conversa, temos que ter poder de perceber as nossas crianças e responder em cada momento da melhor maneira...
Ontem à noite o meu mais pequeno foi-se deitar numa grande excitação... estava na hora de dormir, mas como tínhamos jantado na rua, e já chegámos mais tarde a casa, quando foi para a cama não tinha sono e o corpo ainda não estava em modo de relaxamento... Deitou-se e passado um bocado estava na sala a dizer "Tenho medo... das sombras".
Claro que a primeiro vontade era minimizar a coisa e mandá-lo para a cama outra vez... mas desta vez pensei um pouco antes de responder e disse: "Medo das sombras?!?! Mas elas estão a mexer-se? Se estiverem sossegadas não te preocupes que são apenas as sombras das coisas que tens no quarto, mas que estão sossegadas e por isso não te podem fazer mal... se elas se movimentarem então tens que te preocupar...". Ele foi para o quarto e passado alguns segundos estava de volta: "Mãe, as sombras estão a movimentar-se" (provavelmente era a sombra dele que enquanto ele se movimentava, também estava a movimentar-se).
Levantei-me, fui com ele até ao quarto, deitei-o e deitei-me ao lado dele sossegada. Deixei passar alguns segundos e perguntei baixinho: "Estás a ver alguma sombra a mexer?". Ele já estava mais tranquilo e respondeu: "Não, agora está tudo quieto". Sorri-lhe, dei-lhe um beijinho na testa e disse: "Agora vou sair e por isso vais ver algumas sombras, mas depois podes ficar tranquilo que vai ficar tudo tranquilo como está agora". E assim foi, saí devagar e ele adormeceu de forma tranquila sem mais voltar à sala...
Tenho a certeza que se tivesse ignorado a situação, teria tido uma birra e uma chatice antes de ele ir para a cama... Desta forma, com um pouco de paciência e de atenção na preocupação dele (que é uma preocupação natural para a idade dele), a questão resolveu-se de forma muito simples e ficando ele também satisfeito.
A comunicação entre pais e filhos é sempre um grande dilema. Porque no passado tudo era feito em modo autoritário de os pais mandam e as crianças obedecem e agora, perdendo-se esse modelo para um modelo de maior consenso, temos sempre medo de estar a criar os pequenos ditadores de que tanto se fala e temos a tendência a entrar em modelos de indecisão...
A comunicação de igual para igual, o dar hipótese das crianças terem opinião, participarem das decisões de casa com voz activa, etc, são situações que podem contribuir para criar crianças com grande auto-estima, e desta forma com bons comportamentos. Sim, porque muitas vezes os maus comportamentos das crianças são formas de demonstrarem a sua insatisfação com o tratamento que recebem, formas de chamarem a atenção quando se sentem postas de lado ou formas de manifestarem as suas necessidades que não se encontram satisfeitas.
É importante lembrar-mo-nos que quando eles eram bebés, nós éramos perfeitos detectives à procura das causas para os choros. Será que tem fome? Sede? Sono? Xixi? Cocó? Calor? Frio? Enfim as causas poderiam ser várias, mas fazíamos um esforço enorme para tentar desvendar a causa e nunca nos chateávamos com o choro, nem com a birra pois acreditávamos sempre que tinha uma causa... A partir do momento em que a criança cresce, deixamos de ter esta vontade de descobrir o porquê, acreditamos que se houver alguma coisa de mal, a criança vai dizer, e começamos a atribuir os chamados 'maus comportamentos' a birras e faltas de educação.
Penso que temos que ir mais longe, tentar procurar as causas para esses comportamentos, tentar resolver o problema de fundo e não apenas calá-la naquele momento porque estamos num restaurante e estamos a fazer má figura. A pressão social é enorme para ter comportamentos dentro dos parâmetros normais... mas neste caso é fundamental afastarmos do sítio onde estamos a ser pressionados de fora (no caso específico, sair do restaurante com o nosso filho por uns instantes) e ter a conversa que achamos correta, da forma que o nosso filho entenda e que nós acreditamos ser a melhor....
A pressão social é enorme e impede-nos, muitas vezes, de ter aquele comportamento em que acreditamos e passamos a ter aquele comportamento que sentimos que os outros esperam de nós... relativamente aos nossos filhos isto é um grande erro... Eles sentem estas nossas inseguranças e vão se aproveitar delas...
Quantas às vezes não chegou à conclusão que o seu filho se porta pior quando está em público e quanto mais gente à volta, pior o comportamento? Pois é... é típico e é consequência da nossa incongruência. Eu acredito que as regras não têm que ser rígidas e que as crianças percebem as excepções às regras, o que as crianças não percebem é quando a comunicação não é completamente coerente e nós temos atitudes nas quais não acreditamos inteiramente (como as que referi por pressão social). As crianças são muito sensíveis à comunicação não verbal e, quando não acreditamos inteiramente naquilo que dizemos, apresentamos sinais contraditórios entre o que dizemos e a nossa postura corporal... as crianças, percebendo esta hesitação aproveitam-se dela como podem...
Enfim, é o mar de ideias e um mar de caminhos possíveis...
Penso que acima de tudo temos que pensar que numa comunicação, a responsabilidade de passar a mensagem é sempre do emissor (dizem as regras da comunicação). Se não conseguimos chegar aos nossos filhos com sucesso a culpa (que palavra tão feia para utilizar numa relação mãe/filho) é nossa, e não deles.
Temos que procurar novas estratégias e perceber melhor as necessidades deles, para melhor nos adaptarmos a eles e para chegarmos mais facilmente a eles.